- Fernando! – grita uma voz feminina do cais da praia acenando
para um rapaz sentado sobre um tronco na areia enquanto corre batendo seus
cabelos lisos e pretos ao vento e ele, a poucos metros, ficava a olhando
calado.
Era uma manhã
de domingo, o tempo estava nublado e algumas andorinhas passeavam pelo céu. A
margem estava vazia e era possível somente ouvir o som da água beijando a areia
ao som suave e melancólico das andorinhas. Clara, a jovem que antes gritara, se
aproxima de Fernando que já não a olhava mais.
- O que faz
tão cedo por aqui?
- Estou
refletindo... – disse em tom sério e abafante que Clara teve de se esforçar
para ouvir.
Fernando
mirava seus olhos a areia e começava a traçar algo que Clara observava tentando
desvendar antes que terminasse. Os sons emitidos pelas andorinhas calavam o
silêncio expresso por eles.
- Estive por
aqui ontem – comentava Clara sem perceber que Fernando não mostrava interesse
pela conversa – e resolvi voltar hoje. Eu sabia que antes de amanhã você viria
aqui...
- E porque
quis vir? – perguntava ele mantendo a mesma tonalidade de voz que a anterior.
- Preciso
muito lhe dizer algo, talvez depois de hoje as coisas mudem entre nós.
- As coisas
entre nós já mudaram a muito tempo, Clara. Você que ainda não percebeu... Não
há mais “nós”, na verdade nunca existiu, agora sou “eu” e, talvez, “você”.
- Eu sei...
Pode falar o que quiser, todas as palavras serão merecidas. Mas aquilo no
passado foi medo.
- Medo? Se
fosse medo, nada disto teria acontecido. Se fosse realmente medo não teria me
dito que aquilo. Se fosse simplesmente medo você não estaria aqui... –
desabafava ele ainda em tom baixo, mas desta vez deixava uma pequena lágrima
caminhar em sua face e se desprender pelo ar.
- Mas eu não vim
para falar do ontem, venho para falar de amanhã...
- Não tenho
nada para falar sobre isto.
- Mas eu
tenho, só queria que me ouvisse.
Ele suspirou
fundo, passou o polegar sobre os olhos e olho na direção contrária AA jovem
ainda mantida em pé.
- Quero que
me perdoe, Fernando!
- Clara, para
com isso, por favor! Você sabe que lhe perdoei antes mesmo de cada perdão que
me solicitou. Você sabe que o que existe em mim, e que já foi para você,
exalava perdão para cada ato teu. Mesmo me machucando, me ofendendo. Não tinha
como não lhe perdoar...
- Então olha
em meus olhos e diga que me perdoou.
- Não pode me
olhar ou me perdoar?
- Dou-te como
resposta sua primeira pergunta...
- Porque está
economizando palavras? Conversa comigo, Fernando. Olha-me como antes, brinca
comigo como antes, sorria como antes...
- Clara,
pare! Não toque em feridas curadas... – falava ainda olhando na outra direção
na tentativa de esconder as pequenas lágrimas que caíam.
- Então você
irá mesmo noivar amanhã?
Um frio
intenso começa a percorrer o interior de Fernando, suas mãos começaram a ficar
tremulas, seu semblante mudava espontaneamente, a língua junto aos outros
órgãos ficavam na dúvida do que responder. Ele se pôs sobre os pés, mirou os
olhos dentro dos dela, ambos lacrimejavam, não se ouvia ondas, nem andorinhas,
parecia que tudo estava em silêncio para ouvir a resposta dele. Clara via sua
face através dos olhos claros de Fernando que ainda mirava calado os dela, eles
acabavam falando por Fernando o que Clara queria ouvir, mas que não ouviu.
Fernando
suspirou, algumas lágrimas já desciam de encontro ao queixo e balbuciou
engolindo a própria saliva:
- Sim... – e virou-se
a dando as costas.
- Fernando,
mas e o teu amor?
- Por que
quer saber dele agora? Logo agora? – perguntava colocando a mão no cabelo como
se estivesse confuso.
- Porque eu
te amo, Fernando. Demorei perceber que é você o homem da minha vida. Demorei me
deixar levar nesta relação... Eu preciso de você para me fazer feliz, para
sorrir comigo. – dizia ela entre lágrimas.
- Clara, eu
insisti nisto por três anos. Preservei-me por três anos... E o que eu ganhei
neste tempo? As coisas não seguem o rumo que você quer. Eu não sou teu pertence
para recuperar a qualquer momento. Aquela foi a última vez que eu tentei,
foi...
- E o amor? –
perguntava ela.
- Não há
amor... –mentia Fernando, agora sentando no tronco, sentindo mais dor ao
responder que Clara ao ouvir.
- Isto é
mentira! Eu sei e você sabe que é. Dê-me outra oportunidade?
- Eu não
quero me dar esta oportunidade...
- E quer ser
infeliz consigo mesmo para o resto de sua vida?
- Clara,
vamos parar com isto! Pare de mexer com este sentimento. Eu não quero mais...
- Fernando,
não minta para você – interrompia Clara segurando o braço de Fernando que se
levantava ficando de frente a ela – Por favor, Fernando, me perdoa.
Fernando já
não controlava as lágrimas, não sabia se a olhava, se evitava olhar, se saía
correndo ou se entregava a aquele amor que o impulsionava ao desejo dos outros
lábios.
- Se é meu
amor que quer como perdão, Clara, eis que não terá meu perdão.
- Como pode
se negar algo? Eu estou aqui falando do meu amor, sei que ainda me ama...
-Amanhã eu
irei noivar com alguém que me ama muito. Eu agora vou valorizar o sentimento
dela. Não tenho medo de correspondê-la, não tenho medo algum do sentimento dela.
Vou te esquecer e aprender a amá-la. Quero que vá. Quero que não fale mais
comigo, se distancia de mim...
- E como eu
fico, Fernando? – disse com as mãos na face e chorando dentro delas - Como, meu
amor?
- Da mesma
forma que eu fiquei todo este tempo sem você.
- Você está
se vingando não é? Pode falar, pode dizer do teu orgulho. Mas eu vou insistir
nesta relação...
- Vingança?
Orgulho? Nossa! Você realmente não me conhece... Se houvesse tudo isto que em mim não haveria
amor, nunca existiria todo aquele amor que já lhe ofereci. Eu não vou desfazer
o meu noivado simplesmente porque você resolveu me aceitar agora.
- Dê-me pelo
menos sua amizade? – pedia ela e via-se o tom e o semblante sincero em sua face,
naquele instante, tão triste.
- Tinha tanto
receio em perdê-la, mas parece que se foi... Eu já tenho minha casa quase
mobiliada, tenho família, a mulher que me ama, verdadeiros amigos... Não sei se
quero começar algo novo agora.
- E aquele
jovem humilde e meigo que despertou este sentimento em mim? Onde está?
- Novamente
me chamando de orgulho. Mas isto não é orgulho... Cansei de ser movido por você
e por aquele sentimento. Acho que o jovem humilde resolveu despertar e você
ficou presa ao sonho dele... – e cada palavra que ele dizia remexia cada vez
mais em seu interior, doía mais nele ao falá-las que a pessoa amada ao ouvi-la,
mas ele se vencia aos poucos e mesmo com lágrimas insistia em dizer – Adeus,
Clara, adeus...
E sem
tocá-la, virou-se e seguiu. Clara se ajoelha na areia e libera as outras
lágrimas que havia conseguido segurar durante os minutos de diálogo. Senta-se
no tronco e observa o romance da onda com a areia, as andorinhas já tinham
partido e começava a cair sobre si um leve sereno. Clara passa o dedo pela
areia e se depara com o tracejado que Fernando havia feito. Olha em volta a sua
procura e percebeu que estava só com todo aquele sentimento que em um passado
não tão distante havia ignorado e que hoje não a ignorava.
Volta com os
olhares ao traço feito por Fernando na areia para avaliar a fundo o que era,
mas a onda já vira e apagara.
Ela suspirou,
levantou-se, caminho alguns passos e se lançou ao chão de minúsculos grãos: querendo
que o sentimento a transformasse em areia e que a onda o carregasse e o perde-se
na imensidão do mar. Ficou ali até o fim da aurora, mas sem encontrar teu fim,
sem reconhecer teu fim, sem viver o sim que desejava.
Atrás de
algumas folhagens a observava Fernando, pensando se voltava ou não, pensando se
valeria à pena ou não, pensando no fim que poderia viver, mas que não estava
apto a entrar em sua história...
Por: Wesley Carlos