Faltava quase uma hora para a bilheteria de o cinema abrir, e por
sorte, era o décimo primeiro da fila. Mesmo com o frio a estreia do filme
norte-americano estava sendo aguardada por quase todos do bairro.
O vento
trazia gotas geladas de chuva, aumentando o frio, obrigando-me a retirar o
casaco amarrado na cintura e vesti-lo. Algumas pessoas se cobriam com a capa plástica
e outros reclamavam baixo da chuva que começava a cair.
Encostei-me a
parede abaixo do velho toldo verde do cinema e fitei o relógio seguindo os
ponteiros. Do outro lado da rua, as lojas já abaixavam suas portas, a chuva que
ameaçava cair havia escurecido a tarde de sábado fazendo as luzes dos postes
acederem mais cedo.
O som do
trovão foi só uma indicação que as comportas do céu se abriam liberando a chuva
forte. Uma minoria já tinha desistido da fila e correndo a deixava para se
refugiarem no calor interno de suas casas.
Retirei os
olhos por instantes do relógio e voltei com os olhares à fila. Virando a
esquina surgia uma jovem com um casaco rosa, segurando uma sombrinha com uma
das hastes quebradas e na outra uma nécessaire preta. Um vento forte foi contra
a jovem deixando sua sombrinha ao inverso, o cabelo liso se batendo e ela na
chuva. Apressada veio e se posicionou no final da fila.
O barulho da
porta da bilheteria despertou o primeiro da fila que deu alguns passos para
comprar seu ingresso, a chuva ainda caía e o frio aumentava. Olhei a jovem
novamente que olhava para a sua nécessaire aberta procurando algo. Caminhei
conforme a fila diminuía e cumprimentei a atendente:
- Boa Tarde! Meia
entrada, por favor. – falei apresentando a carteirinha da faculdade e dando-lhe
a quantia necessária.
- Boa seção,
jovem! – respondeu sem me olhar e entregando-me o bilhete.
Entrei na
sala que o bilhete indicava e subi para sentar-me na última fileira.
Recostei-me na cadeira acolchoada, cruzei os braços e o ambiente aquecido
fazia-me fechar os olhos e respirar profundo. Comprei o saco médio de pipoca
com refrigerante e desliguei o celular. Aos poucos foram chegando às pessoas, e
enquanto a tela se desprendia e descia suavemente do teto, vinha a jovem e
sentou-se na cadeira a minha frente.
Fiquei
observando o modo que ela se movimentava e pude a ouvir resmungar baixo do frio
e do casaco aparentemente molhado. Levantei-me e, sem entender o motivo, fui e
sentei ao lado da menina. Olhei por instantes em seu rosto fino, ela me olhou e
sorriu, e sem retirar o canudo do refrigerante da boca, devolvi o sorriso e
voltei com os olhos à tela que já estava posicionada e refletia a luz lançada
sobre ela.
Logo após o trailer
e do narrador dizer o título do filme o som causado pela primeira explosão já
fazia nascer expectativas para o final.
- Este filme
parece que será ótimo! – disse empolgada a jovem ao meu lado.
- Espero!
Enfrentar o frio, a chuva e perder dinheiro não seria muito legal. – respondi sorrindo
e olhando para seus lábios pequenos e brilhosos.
- Tem razão,
prazer Carla!
- Prazer
Diogo!
Ela sorriu e
voltou com os olhares a tela, continuei fitando os trações de seu rosto e
observava o seu piscar de olhos calmo e atencioso. Ela volta com os olhares a
mim e move o cabelo para o outro lado do ombro.
- Então...
Bom mesmo o filme não é?
- Ah!
Desculpe pela fixação do meu olhar. Eles insistem em aproveitar o máximo do que
lhes agradam.
Ela sorriu e
desviou o olhar de volta a tela.
- Só não
quero que perca o filme, que por sinal está ótimo. – disse sem me olhar.
Posicionei-me
melhor na cadeira e olhei para a tela. Coloquei meu braço no apoio da cadeira,
recostei minha cabeça na poltrona e comecei a beber meu refrigerante sem gás e a
comer minha pipoca murcha.
- Aceita?
- Não,
obrigada! – respondeu ainda evitando o olhar – Posso te fazer duas perguntas?
- Sim, claro!
– falei mirando meus olhos nos dela.
- Porque me
observava na fila?
- Eu não lhe
observei, só olhei por alguns instantes como olhei para todos os outros.
- E porque
mudou de lugar?
- A visão
daqui é mais ampla... – respondi.
- Ah! Tudo bem...
- Agora posso
te fazer somente uma? – perguntei.
- Faça! –
respondeu fitando ainda a tela.
- Porque
essas perguntas?
- Um pequeno
instante de visão ampla me levou a lhe perguntar, poderia ter feito com todos
os outros.
E sorrimos
juntos e durante este período de demonstração de alegria nos olhamos e ficamos
calados. Voltamos a observar o filme e evitei olhá-la novamente.
- Ficou tão
sério derrepente. – ela fez o comentário.
- Não quero
atrapalhar sua seção...
- E porque
atrapalha a seção dos teus olhos e dos meus ouvidos?
- Não
entendi... – respondi sem olhar e percebendo que ela me olhava.
- Você está
impedindo teus olhos de me observar, e dos meus ouvidos de te ouvir.
Sorrimos!
-
Simplesmente porque meus olhos e seus ouvidos não querem te atrapalhar.
- Porque tem
tanta certeza disto?
Ignorei a
pergunta e correspondi ao seu olhar. E fitamo-nos uma ao outro por um longo
instante. Não pensava em nada, somente observava...
- Veio
realmente ver o filme? – perguntei.
- Na verdade,
vim para me distrair. Não ando muito bem com a vida, digamos. Uns probleminhas
pessoais me trouxeram aqui.
- Sei que
ainda é cedo, mas se precisar de algo...
- Obrigada!
Você me fez sorrir e eu precisa disto.
- Fico
feliz...
Ela puxou meu
braço e deitou de leve em meu ombro e balbuciou algo. Terminamos de ver o filme
de forma que nunca havia começado, nem um dia terminado. Todos se levantavam e
ela ficava lendo os créditos finais ainda encostada em mim, percebi que
chorava.
- Desculpe!
Mas eu precisava deste ombro hoje.
- E terá
sempre que necessitar e quiser...
- Sempre?
Uma dúvida
surgia naquele instante e não entendia o porque do diálogo, das trocas de
olhares e das últimas palavras ainda em lógica e preferi ficar quieto.
Ela levantou
a cabeça e me olho nos olhos. Nossos corpos foram se aproximando lentamente
fechei meus olhos e nos abraçamos. E após a soltar ela sorriu.
- Nunca me
senti tão bem após uma seção.
- Eu também! –
respondi no espontâneo e me convencendo após.
- Desculpe
pela postura indelicada.
- Não houve
indelicadeza nenhuma por aqui. Sinto-me bem por ter lhe ajudado de alguma forma
e você se sente bem por ter recebido a ajuda que necessitava neste instante.
Colocamos-nos
em pé enquanto passava o final dos créditos do filme. Fomos descendo em
silêncio e antes de sairmos da sala virei e ficamos um de frente ao outro.
- O que foi? –
ela perguntou.
- Nada...
E aos poucos
fui me aproximando, segurei em seu queixo tão minúsculo, levantei um pouco sua
cabeça, fixei meu olhar ao dela. Ela se mantera calada e eu tremulo. Fechei meus olhos e carinhosamente impulsei
meus lábios de encontro ao dela. Sentia sua respiração ofegante e o toque de
suas mãos frias em minha cintura.
Desencontramos
nossos lábios e sem dizer nada ficamos nos olhando antes do abraço. Encostei-me
na parede da sala e ainda abraçados ela apoiou a cabeça em meu peito.
Ela levou sua
mão até a minha, entrosamos nossos dedos e começamos a caminhar pelo corredor
de saída. Apresentamos o bilhete final e próximo da bilheteria ela soltou minha
mão e fixou o olhar em mim.
A chuva caía
mais serena junto ao vento e ao frio mais intenso. Ela suspirou fundo e me
abraçou como se estivesse se despedindo e manteve-se encostada ao meu peito.
- Obrigada
pela seção!
- Eu que
agradeço, Carla.
Segurei firme
em sua mão direita e a posicionei de frente ao meu corpo. Ela segurou em meu
pescoço e nos beijamos com mais intensidade que antes, como se houvesse mais
sentimento que antes, como se não existisse o antes.
- Posso te
acompanhar até em casa?
- Pode sim,
Diogo.
Ela passou a
mão por trás de mim e fixou-a em minha cintura e começamos a caminhar pela
calçada.
Obtive uma
vontade de sorrir, apesar das inúmeras vezes que detestei e aboli esta prática.
Mesmo que aqui dentro existia um extenso sorriso esperando ser liberto eu me
convencia que não era merecedor daquela pequena alegria que surgia derrepente.
E apesar da
incomodante chuva serena e do frio chegamos ao portão da sua casa enquanto ela
se apresentava um pouco a mim.
- Será nossa
última seção? – perguntei.
- Não sei. Só
sei que quero viver neste filme para o resto da minha vida.
E enfim,
sorri. Não que eu quisesse demonstrá-lo tão depressa, mas me convencer que não
estava alegre naquele momento seria uma indelicadeza comigo mesmo.
Ela aproximou
seus lábios dos meus e novamente nos beijamos.
- Esta será a
última seção que vou me refugiar das lágrimas.
E obtia outra
vontade de sorrir. Passei meu braço por sua costa e acariciei seu ombro
esquerdo. Ela fixou seu olhar no meu e sorriu. Foram vários olhares palavras e
toques que marcaram aquela última seção, nossas tristezas e alegrias se
completavam. E com a mesma dúvida e ansiedade do primeiro dia terminamos a
reprodução do dia que marcou a nossa vida.
Por: Wesley Carlos
Olá Wesley
ResponderExcluirSe todas as seçoes de cinema terminassem assim, o mundo seria bem melhor. Eu não consigo escrever palavras dificeis, quero realmente agradecer seus comentários sobre os meus textos. Muito obrigado.
Um abraço, paz e bem
Olá Querido Wesley,
ResponderExcluirEspero, que esteja tão comfortável, tão feliz, quanto o Diogo.
Wesley versus Diogo? Não precisa responder. Para que serve nossa imaginação?
Agradeço seu comentário, belo, elegante, elogioso em meu blog.
A ausência de resposta, ou qualquer outro tipo de ausência, carece, de uma subtil explicação. É de bom tom.
Era bom, que tivesse sido por causa da Carla, ou doutra Carla qualquer.
O teu texto está escrito, como quem conversa com um amigo(a) e abre seu peito.
Estilo e sentido semâmtico correctos, mas não coloquiais.
Li, "bebi" o texto de alto a baixo, sem um intervalo (no cinema, houve), mas eu não consegui parar, COMO NO BEIJO.
A história foi igual a que qualquer um de nós já viveu, mas a narrativa não teve o fim, que eu esperava.
CURIOSO, WESLEY, VOCÊ FEZ, CONSTRUIU NARRATIVA, DIGAMOS ABERTA. ASSIM, PODE CONTINUAR ESSE TEXTO, DANDO-LHE UM TERMINUS DIFERENTE, AQUELE, QUE TODO O MUNDO ESPERA (mas sem detalhes).
Bom feriado, amanhã.
Beijos carinhosos de luz.
PS: HOJE, VOU PÔR MINHA FOTO NO SEU PAINEL. A "RELAÇÃO" ESTÁ PARA DURAR.