Algumas notas saltavam da partitura amarelada e
pisavam firme sobre as teclas de um piano rústico. Era uma tarde fria de
inverno e Laura se concentrava em observar os saltos que seus dedos conduziam.
Entre suspiros e um olhar suave, seus pequenos lábios balbuciavam letras que
outrora escrevera para registrar os novos sentimentos que vigoravam: a saudade
de uma vida que não vivera, a tristeza de uma felicidade rejeitada e o vazio de
um amor que transbordava.
As
horas passavam e a noite começava a entrar, junto a um vento frio, pela fresta
ainda aberta na janela. Laura se levanta, fecha a pequena abertura, puxa a
cortina e se desloca até a cozinha para pegar uma xícara de chá. Havia somente
o som do silêncio buscando espaço junto ao barulho emitido por seus passos.
Havia somente o respirar ofegante de Laura, o cheiro quente do chá e o abraço
do agasalho de lã. Havia somente um coração dolorido, um pulsar de
arrependimento e poucas lágrimas não choradas.
Retornou
até a sala e indo de encontro ao piano ficou o observando por alguns minutos
com a xícara próxima ao queixo. O ambiente estava escuro, somente um pequeno
abajur era o responsável pela iluminância da pequena área de estar. Laura se
desloca até o sofá, apoia seu pescoço no encosto e fixa o olhar ao teto.
- Até
quando ficará assim? - pergunta a si mesmo deixando uma pequena lágrima,
outrora presa, vir à liberdade.
Fecha
os olhos suavemente e permite que lembranças se projetem sobre sua pálpebra. As
lágrimas continuavam formando caminhos em seu rosto e beijando seus lábios. Abriu os olhos por segundos, passou os dedos na intenção de estancar as
lágrimas e retomou até o piano. Seu coração pulsava forte, as notas novamente
começavam a saltar, desta vez, mais organizadas e harmônicas. O silêncio se
despedia e seguia ao som da voz de Laura, que com outras lágrimas, desabafava:
- Por
tempos teu amor me encontrava e eu fugia. Por tempos era o meu cheiro que você
queria. Foram horas dedicadas a insistência de me ter. E eu calada, corria, não
queria contigo viver. Por tempos era o meu sorriso que te acalentava. Por
tempos era alimentar minha felicidade que você queria. Foram horas dedicadas a
declarações não correspondidas. E eu gritando, te negava, nos negava. E hoje,
com tanto amor no peito, é o vazio de minha soberba que trás a tristeza da
felicidade que rejeitei, da vida que a mim neguei, por amar quem o amor não
conhecia, tendo a disposição o verdadeiro amor que carecia. Sem saber sofri por
outro querer; e, ainda sem saber, hoje é por querer você. Perdoe todos os nãos
que te dei e, por favor, os devolva-me para eu aprender. Não se afaste
tanto como tem feito, tenho saudade do amor que neguei. Perdoe e se achar que
vale a pena: tente, por favor, somente mais uma vez. Estou aqui, estou aqui., estou aqui...
Entregou
a si um novo suspiro. Forrou as teclas com seu lenço de veludo, abaixou a tampa superior,
desligou o abajur e se encolheu ali mesmo no sofá. De olhos fechados, era como
se sentisse que uma pequena esperança começava a amanhecer em seu entardecer de
silêncio.
A
campainha toca uma, duas, três vezes; mas era tarde e Laura já adormecia.
Detrás da porta era ele que voltava, insistente, para tentar pela última vez. Sentou sobre o velho carpete, encostou as rosas com cuidado para que não
amassasse suas pétalas e ali adormeceu.