Não havia ninguém na cerimônia,
rosas sem cor, sem perfume e murchas faziam a ornamentação do lugar. A matriz
nunca esteve tão vaga onde os sons caminhavam encontrando-se
repentinamente... O tempo nublado e o
calor incomodante movimentavam uma pequena molécula de suor que descia por
minha costa.
A música, que
se ouvia na ausência de músicos, iniciava-se indicando que era o momento de eu
entrar, em passos solenes, até o altar. E iniciei pequenos passos e mantive meu
olhar ao chão. Um pequeno nervosismo corria por meu corpo e se convertia
deixando minha perna tremula. Tentei despertar um sorriso nos lábios e, após
sua estabilização, o mantive até chegar ao altar.
A música aos
poucos se silenciava... Virei-me de forma que pudesse olhar para os bancos da
matriz e inquietamente impaciente aguardava a entrada da noiva. Não sabia se
ela já havia chegado, um dia antes a vida havia me dito que ela provavelmente
não apareceria de forma a iniciar um enlace matrimonial comigo.
Aos poucos um
ou dois sentimentos chegavam e se posicionavam em um dos bancos mais distantes
do altar da matriz. Concentrei-me na nova música que voava por ali e deixei-me
para relaxar sob sua essência. Não havia convidado ninguém para o evento,
queria somente a presença do ministro e da noiva. Não queria ter festa, por que
aquele seria um evento pessoal e internamente dentro de mim.
Ouvi as notas
afinadas de um pássaro se misturar as da música que ainda soara, fechei os
olhos e suspirei: “Será que Ela não viria?” Quando novamente permiti que meus
olhos se abrissem um carro se mantinha parado em frente à porta de entrada da
matriz. Fixei o olhar nela e aquietei-me.
Corri o olhar
pela nave da matriz e mais sentimentos estavam presentes querendo visualizar o
evento. O ministro anuncia calmamente a entrava da noiva, a musica mudava iniciando
sua marcha matrimonial. Um pequeno sorriso surgiu do fundo do peito e,
empurrado pelo sangue na artéria, ele se desfez pelos lábios.
A porta do
veículo se abria lentamente, o vestido branco e longo não permitia que
enxergássemos a perna e pés. Logo sua mão coberta por uma luva branca de
detalhes dourados buscou impulso na porta e trouxe todo o restante do corpo.
Sorri! Ela
estava linda e viera para cumprir o que havia dito e mostrar para a vida que
também sabe surpreender. Sozinha, se aproximou da porta. Os demais sentimentos
levantavam e olhavam em direção a porta da matriz... Naquele instante um vento
forte passou ao redor levando-me arrepiar. Com sua intensidade a calda do
vestido e a grinalda se movimentavam seguindo a direção que o vento partia. E
ainda sob a música que se iniciara, a Felicidade entrava rumo ao altar da minha
vida para matrimoniar nossa relação, de forma que ela se transformasse na outra
parte de meu ser.
Vinha
calmamente como tantas outras vezes que se encontrara comigo enquanto ainda nos
conhecíamos. Mantive meu olhar ao seu e o dela se mantinha ao chão. Segurava as
mesmas flores murchas e pálidas. Vestia-se com um longo vestido claro com
detalhes dourados que davam mais brilho ao teu ser. Pisava sob o carpete da
matriz como se estivesse movimentando-se sob algo frágil e delicado. Mas toda
aquela senilidade a fez se aproximar de mim.
Estávamos,
agora, um ao lado do outro e de costa aos demais sentimentos que, pelo som
emitido, parecia que haviam se sentado. Na ausência da música uma voz grave
ecoava pela matriz iniciando a cerimônia e narrava nossa história: a voz era a
de Deus.
- “Por um
longo período Ele buscava o amor que ligaria um ao outro. Buscava, porém, sem
sair do lugar, sem ao menos insistir ou procurar. Buscava primeiro, em
pensamento, um desejo impulsor de se movimentar. Ela sempre o aguardou! Sempre
achou que era Ele que deveria se aproximar, que era Ele que deveria a buscar. E
com isto, ambos ficavam parados! Ambos não se encontravam... Confesso que
preferi não realizar o desejo dEle e, com isso, apenas fui gerando situações
para Ele se permitisse e se movimentasse. Mas faltava a Coragem, Ele precisava
primeiro construir uma amizade com a Coragem.
Gerei então uma forma dEle a conhecer e, ainda, de aproximá-los de forma mais
amigável. Demorou, mas enfim, Ele descobria que a Coragem passava a ser sua
melhor amiga (daquelas que chamamos de irmã). Todo mundo precisa de uma
amizade, que sendo esta mais confiável, tratamos e contamos vários
acontecimentos de nossa vida, no mesmo instante que pedimos ajuda e conselhos.
Eu sabia que estava certo que isto era necessário para que enfim, ambos se
encontrasse. A Coragem impulsionava constantemente seu amigo a se movimentar,
espero que esta amizade dure perpetuamente, agora, mais que nunca, precisará mais
dEla para continuar a seguir. Na verdade, está no momento de você fixar o olhar
para a Felicidade e sorrir porque você conseguiu a obter. Fico feliz que tenha
acreditado em mim e não na “Vida” que aparecera e lhe contara ladainhas. Graças
a Coragem, seu forte impulsor, hoje você esta aqui no altar. Achas ainda que
parado, e só, você teria obtido algo? Com toda certeza não. E falando em
Certeza, é exatamente Ela, a irmã da Coragem, que eu tinha quando observava
ambos distantes um do outro. A Certeza é, e sempre será, meu braço direito em
todas as minhas ações. O Erro nunca se encontrou comigo, então acredite em
minhas palavras, tudo aconteceu no tempo que deveria ocorrer. Faz parte da vida
se encontrar com a tristeza as vezes, e até de se relacionar com ela. Mas ninguém
jamais algum dia se casou ou casará com ela. O matrimônio é sinal de Alegria, e
essas duas não se dão muito bem. Faz parte da vida, também, se deparar com o
Desespero no meio do caminho e, com isso, deixar o Medo te fazer retornar. Não se
assuste! Tudo isto faz parte e será necessário...”
Outro vento intenso corria de fora e entrava
pela matriz. Minhas mãos começavam a tremer, estava nervoso e aquilo só
passaria quando visse a entrada das alianças e a colocasse em meu dedo. A música
se pausava, mas iniciava outra ainda mais calma e leve. Voava em sonhos, em
pensamentos, em imaginação: chorei.
- “Há,
quantas lágrimas já viesse me entregar? Quantas vezes ouvia você lamentar
dizendo: “Deus meu, porque me abandonastes!”Quanta inocência... Achas mesmo que
eu, seu pai, lhe abandonaria? Se isso fizesse, jamais poderia ser considerado
Deus. Eu permiti, porém, que demais coisas acontecessem para ver o quanto você
pode ser forte. Sabe, quando você e a Felicidade ainda não se conheciam ambos
passavam diariamente um ao lado do outro. Ela sabia de você, mas não podia se
aproximar sem que você se aproximasse... Você, meu jovem, você que nunca se
permitiu ter a Felicidade. Porque tanta pressa em seu caminho? Você ficava
tentando me compreender e esquecia-se de entender você próprio, de procurar
saber quem você é, do que realmente precisa e de que forma alcançaria isto. Você,
como vários outros, vinha até o meu altar para me entregar novas lágrimas e
pedir solução de seus problemas. Ei, fui eu que lancei sobre ti cada problema,
queria testar e convencer a você mesmo o quanto poderia ser forte, mas você
nunca tentou! Sempre fugia de você mesmo...”
Novos
sentimentos chegavam ao local, o ministro mantinha sua cabeça baixa, minha noiva
ainda não tinha fixado seu olhar no meu nem ainda os encaminhado até mim. A
matriz, que deixava a voz de Deus ecoante, aos poucos era preenchida por mais
convidados. Eu não convidara ninguém, mas a Felicidade sim!
- “Naquela
quarta-feira ensolarada, quando resolvestes abrir a janela de seu coração e
deixar o calor daquele sol entrar eu senti daqui do alto o cheio de mofo se
desprender. Porque deixou seu coração trancafiado? Não deixou que ninguém
penetrasse e conhecesse seu interior? O que escondes? Qual era o teu receio? Eu
sei, tudo isto eu sei... Quero somente que lembre-se! Foi exatamente neste dia
que sua voz caminhou até mim agradecendo por mais um dia. Como eu me alegrei em
ouvir aquilo, você não veio com lágrimas, nem com tanto desespero. Veio e me
agradeceu por tudo que estava passando... Sim, a partir daquele instante você
amadurecia e já poderia se relacionar com Ela. Você ainda agia como uma criança
ingênua, se desesperava em meio aos seus problemas, a toda sua ausência interna
de si e apenas chorava cobrando-me por algo que não devo lhe pagar. Mas naquele
dia, algo lhe mudava. Meu pequeno filho crescia, sim! Ele amadurecia... E é
por este motivo, e tantos outros, que jamais desisto de um filho meu e sempre
faço a repetição desta união...”
Por instantes
movimentei a cabeça e observei os demais sentimentos sentados, quietos e
presentes no evento. De simples e vaga, a festa se expandia. Não havia mais
ecos no local, a voz de Deus era a mais alta e nem os bebês presentes choravam
por temê-la. Deus continuava contando a mim mesmo minha vida, antes de formular
perguntas essenciais de qualquer casamento.
- “Desde o
ventre de sua mãe, eu havia lhe escolhido e escrito cada fase que viveu e
tantas outras que ainda viverá. E nesta escrita estava justamente marcado para
hoje seu enlace matrimonial com Ela. Que bom que não desistiu de você, ainda
bem que você se despertou e viu que além de me pedir algo você também precisava
tentar. Aquele meu filho já começava a ganhar uma mente mais aberta e
observadora. Você, meu filho, começava aos poucos a abrir seu coração para os
bons sentimentos entrar. E graças a sua amizade com a Confiança, você conheceu
a Felicidade e enfim, passaram a se relacionar. Hoje, mais uma etapa em sua
vida se concretiza comprovando novamente o quanto o seu amadurecimento permitiu
que estivesse aqui...”
A música
cessa e muda instantaneamente para outra, onde sob esta ocorreria à entrada das
alianças. Viramos-nos em direção contrária e observamos um pequenino Amor entrar, meio
desajeitado , trazendo as alianças sobre uma almofada dourada. Cada passo a
frente, mais me sentia! Cada passo dado, mais de mim se apresentava a mim. Cada
passo que aquele Amor dava se aproximando de nós, mas eu passava a perceber o
valor de minha vida, do meu bem interior, do meu singelo viver. Eis que Deus
narrava o acontecimento:
- “As
alianças, símbolo de união, demonstrará seu compromisso com Ela. Isto indica
que não deve desacreditar dela na tristeza, não duvidar de sua existência na
doença, e ambos estarão juntos até no período que a morte os encontrar. Ela
passa a ser metade do teu ser... Ela será a partir de então sua adjutora!”
Recolhi as
alianças e me posicionei na posição primordial.
- “Antes de
tudo, existe alguém presente que é contra este relacionamento?”
Um silêncio
iniciava pela matriz, uma mão se levanta indicando que alguém protestava com
minha união estável com a Felicidade.
- “Diga-me, o
que tens contra esta relação?
- “Como podes
permitir que ele se case com a Felicidade tendo várias vezes falhado contra
ti?” – dizia a própria blasfêmia.
- “Meu caro,
meu caro... Eu jamais impediria que meu filho seja feliz. Para isto, eu peço
que o Perdão entre por esta porta e deixe que as pétalas de amor se renove
neste ambiente...”
E o Perdão
entrava, fazendo que todas as rosas desabrochassem novamente com mais cor, mais
perfume, mais brilho e mais encanto. Todo o meu ser se alterava... A Felicidade
parecia já habitar dentro de mim: sorria!
- “Há mais
alguém contra este relacionamento? Acho que com Perdão, nada mais há a ser
questionado...”
O silêncio
novamente voltava, mas desta vez nenhuma mão se levantara.
- “Se não
tem, peço que todos se coloquem sobre os pés.”
Todos em pé,
Deus continuou:
- “Filho meu, oh meu filho
querido, aceita a Felicidade como sua adjutora?”
A voz parecia não sair, minhas
mãos tremiam. Mesmo eu não sendo merecedor, Deus permitia que eu se casasse com
quem eu tanto busquei. Mesmo reclamando em cada prova, em cada perca, mesmo
achando que estava só, sendo que só nunca estive Ele não havia desistido de me
fazer encontrar com Ela: sorri, chorei!
- “Sim, meu pai, eu aceito a sua
vontade na minha vida!”
Uma claridade invadia meus olhos!
Era como se uma grande luz se desprendesse do céu sobre mim. Meu peito
transbordava de felicidade, lágrimas escorriam de meus olhos. A Felicidade se
manifestava internamente com uma satisfação imensa de estar dentro de mim.
Comecei a agradecer a Deus por ter permitido que eu a conhecesse, agradeci a
minha amiga Coragem por ter aparecido no momento exato. Somente o agradecimento gritava em meu peito...
Eu vencia mais uma batalha. Deus
revelava todo o seu resplendor sobre meu ser.
Já não estava na matriz, e sim
ajoelhado em torno da minha cama agradecendo a Deus mais uma vez por mais um
dia de vida. E sorri, com tanta alegria, que somente Deus conseguiria revelar o
que eu senti e tudo que ainda sinto aqui
dentro de mim.
Por: Wesley Carlos